Walkman

Andreas Pavel passou 27 anos tentando provar ao mundo que tinha inventado o walkman. Gastou mais de US$ 3 milhões com advogados e processos. Ninguém acreditava que ele pudesse vencer a Sony, que transformou o walkman em marca registrada. Neste ano, Andreas Pavel, de 59 anos, ganhou sua batalha quixotesca contra a multinacional japonesa. Pavel acaba de assinar um acordo com a Sony que, segundo estimativas do mercado, pode chegar a US$ 10 milhões. Além disso, ganhou uma patente nos Estados Unidos sobre todos os aparelhos celulares que tocam rádio estéreo e os telefones de terceira geração, com MP3, que teriam sido inspirados na invenção de Pavel. De 2004 até 2021, o inventor poderá exigir pagamento de royalties sobre esses celulares vendidos nos EUA. 

Pouca gente imagina que o walkman, uma das bugigangas eletrônicas mais vendidas da História, foi uma invenção brasileira. Foi em 1972, em uma casa modernista perto do Bosque do Morumbi, que nasceu o aparelhinho. Pavel, um filósofo que adorava Janis Joplin e Orlando Silva, idealizou o walkman entre uma festa e outra com amigos como o jornalista Vladimir Herzog e o poeta Augusto de Campos. “O walkman foi uma “droga musical” dos anos 70; a ideia era levar o som para dentro do tímpano, estar no meio de um parque ensolarado com os amigos ouvindo a música só dentro da sua cabeça”, lembra o inventor. Pavel comprava dezenas de fones de ouvido e gravadores, que ia modificando e combinando, até que chegou, em 1972, ao primeiro modelo funcional de walkman. Era um aparelho de som portátil que podia ser afixado ao cinto ou a uma bolsa, e vinha com fones de ouvido. Foi batizado de “pequeno equipamento de fixação corpórea para a reprodução de eventos auditivos em alta qualidade”, ou, simplesmente, Stereobelt. Pavel usava o Stereobelt com amigos, que perambulavam pelas ruas de São Paulo ou Milão “viajando” com o som portátil.

Em 1977, Pavel patenteou sua invenção na Itália e, no ano seguinte, na Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos. Poucos meses depois da publicação dos pedidos de patente, a gigante Sony se antecipou e lançou no mercado o walkman. O aparelho se tornou um dos best-sellers da empresa japonesa, com mais de 200 milhões de unidades vendidas. Pavel não se conformou, resolveu enfrentar a gigante Sony e o todo-poderoso Akio Morita. Ele passou 27 anos de sua vida brigando nos tribunais da Inglaterra, Estados Unidos, Itália e Alemanha para provar a paternidade do walkman. Perdeu processos. Pediu empréstimos para amigos e para a família. Teve seus bens congelados. Gastou toda sua herança. “Nunca imaginei que ia gastar tantos anos da minha vida com isso…” Andreas Pavel, de 59 anos, patenteou em 1977 – dois anos antes do lançamento do Walkman – um dispositivo estéreo portátil chamado Stereobelt. Em 1980, ele iniciou negociações amigáveis com a Sony, para recebimento dos seus direitos. Os royalties lhe foram pagos, embora a Sony sempre tenha discordado da reivindicação de Pavel. Os pagamentos foram encerrados em 1986. 

O inventor prosseguiu com suas reivindicações e ingressou com ações em outros países mesmo depois de ter entrado em falência na Inglaterra, quando teve de arcar com despesas de cerca de US$ 3,6 milhões após derrota judicial. A reaproximação com a Sony ocorreu em 2001, quando teve início a negociação que resultou no acordo firmado recentemente. Fontes do semanário alemão Der Spiegel, que tiveram conhecimento das cláusulas contratuais, revelaram que o valor pago a Pavel soma “vários milhões de euros”. A meta do inventor, agora, seria investir contra fabricantes de sucessores digitais de Walkman, como o iPod, da Apple. 

Pavel nasceu na Alemanha, mas veio para o Brasil aos 6 anos de idade e se considera alemão “só de passaporte”. Saiu de São Paulo aos 30 anos e foi para Milão, onde vive até hoje. Seu pai, Herbert, veio para o Brasil nos anos 50 para trabalhar nas Indústrias Matarazzo. Pavel estudou Filosofia na Universidade de Berlim e na Universidade de São Paulo. Foi diretor da programação educativa da TV “Cultura” e editou a coleção “Os Pensadores”, da Editora Abril Cultural. “A ideia de estereofonia pessoal surgiu na Paulicéia Desvairada dos anos 70, em plena ditadura militar”, recorda o filósofo. Pavel montou um sistema de som em sua casa, aproveitando-se da acústica da construção , uma abóbada de concreto aparente, projetada por Ronaldo Duschenes, da escola do arquiteto Vilanova Artigas. Pavel montava instalações com caixas de som, para “energizar o ar com música, aumentando a qualidade musical” das festinhas com a elite alternativa dos anos 70. Ouviam Bach e Stockhausen, Hermeto Paschoal e Noel Rosa, gongos de Bali, flautas dos templos japoneses e LPs de efeitos especiais. Daí para as experiências com o walkman, foi um pulo.

O arquiteto Eduardo Longo, amigo de Pavel há mais de 20 anos, ficou surpreso com a vitória do inventor. “Depois de tanto tempo de luta, não esperávamos mais que isso fosse possível ” conta. O também arquiteto Olavo Oncken, colega de classe de Pavel no Colégio Porto Seguro, estava cético. “Era uma briga que a gente nem acreditava mais que pudesse dar em alguma coisa”, conta Oncken, que testou o Stereobelt de Pavel em Nova York, em 1975.”Não derrotei o dragão, mas dominei o monstro”, diz Pavel. O inventor não conseguiu receber royalties por todos os walkmans vendidos. Mas o acordo com a Sony, que é cercado de absoluto sigilo, é considerado muito vantajoso por especialistas. Já a Sony afirmou à imprensa europeia que a disputa de 27 anos foi resolvida “de forma amigável”. Pavel quer começar uma vida nova. “Não quero ser reduzido ao rótulo de inventor do walkman”, diz. “Conheci muitos inventores que passaram a vida lutando por suas patentes, é uma coisa patética.” Ele está vindo para o Brasil, onde vai criar um laboratório de estudos de mídia. Além disso, está trabalhando em um documentário e um show com Altamiro Carrilho – um grande inventor de sons. 

Fonte: O homem que derrotou a poderosa Sony, Patrícia Campos Mello/AE, Jornal do Comercio, Edição: 15_16/08/2004 Editoria: Economia 
http://info.abril.com.br/aberto/infonews/062004/07062004-1.shl 
acesso em setembro de 2004

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