Tecido Antibacteriano

A receita para a produção de um tecido antibacteriano acaba de sair de laboratórios brasileiros. Os ingredientes são uma cultura de fungo, um sal de prata e um tecido de algodão. Manipulando os três produtos, será possível criar roupas eficazes no combate à infecção hospitalar, diz um grupo de cientistas. “Existe mesmo um grande potencial de aplicação desse tecido para a confecção de uniformes profissionais para ambiente hospitalar a partir desse trabalho”, disse à Folha Oswaldo Alves, químico da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) que participou da invenção. Além dele, participaram do desenvolvimento do tecido antibacteriano Nelson Durán e Priscyla Marcato dupla também da Unicamp e Gabriel Souza e Elisa Esposito, ambos da UMC (Universidade de Mogi das Cruzes). 

Os cientistas já sabiam que a prata pode ser usada com sucesso contra bactérias que costumam freqüentar os hospitais. A novidade do novo método é a forma com que as partículas de prata foram obtidas. O grupo brasileiro partiu para a via biotecnológica. Ou seja, eles usaram um tipo de fungo, o Fusarium oxysporum, para processar o nitrato de prata adicionado à cultura microbiológica. “O fungo tem uma enzima que reduz [desoxida] o íon prata em prata metálica”, explica Alves. A tradução dessa linguagem química é que o fungo usado consegue transformar a prata presente na cultura e produzir nanopartículas desse metal, da ordem de 1,6 nanômetros (milionésimos de milímetros) de tamanho. 

Depois disso, o tecido de algodão acabou impregnado pelas nanopartículas e colocado em teste contra a bactéria Staphylococcus aureus. O crescimento desse microrganismo não ocorreu no tecido preparado com a prata. “Esse caminho biotecnológico facilitou não apenas o processo de impregnação das nanopartículas no tecido, como também mostrou uma significativa ação bactericida frente o microrganismo estudado”, disse o pesquisador da Unicamp. No exterior, explica Alves, as pesquisas no campo dos tecidos funcionais já apresentaram vários produtos, alguns deles disponíveis no âmbito comercial. Mas a maior parte dos grupos de cientistas estrangeiros optou por obter as nanopartículas de prata pelos caminhos essencialmente químicos. “Nos Estados Unidos, por exemplo, já existem meias bactericidas. Elas são destinadas a pessoas com problemas de feridas nos pés, ocasionadas por diferentes patologias.” 

De acordo com Alves, uniformes esportivos também já contêm esses tecidos. “Para evitar o cheiro desagradável proveniente do suor”, disse. No caso do desenvolvimento tecnológico dos cientistas brasileiros, o pedido de patente também já está tramitando. O processo está sendo conduzido pela Agência de Inovação da Unicamp. O estudo brasileiro teve a preocupação de isolar os dejetos oriundos da produção das nanopartículas de prata. A questão do lixo nanotecnológico está sendo cada vez mais discutida em várias partes do mundo. Os rejeitos foram tratados com a bactéria Chromobacterium violaceum. Também por essa via biológica, os pesquisadores conseguiram fazer o caminho praticamente inverso. 

Ou seja, após algumas horas de contato entre o microorganismo e a solução que seria desperdiçada em condições normais, as nanopartículas de prata acabaram sendo solubilizadas pelas bactérias. Elas não foram parar diretamente no ambiente. “Acreditamos que essa prática [a de apresentar como os rejeitos podem ser remediados] é altamente recomendável. Isso não é comum. Pelos comentários que recebemos, isso contribuiu de forma significativa para a aceitação da publicação”, explica Alves. O artigo científico que descreve o processo de produção das nanopartículas de prata, a impregnação do tecido hospitalar e o tratamento dado aos dejetos nanotecnológicos foi publicado na edição mais recente do “Journal of Biomedical Nanotechnology”. 

Segundo Oswaldo Alves, ouvido pela revista Fapesp, os curativos impregnados com prata “poderiam ser indicados para pessoas diabéticas, com freqüentes ulcerações nos pés”. A outra aplicação seria em tecidos “anticheiro” — interessantes, por exemplo, para a fabricação de meias. “Nos Estados Unidos existem no mercado meias bactericidas impregnadas com nanopartículas de prata, mas o processo de obtenção é completamente diferente do nosso”, comentou o professor. Para conseguir as nanopartículas de prata metálica, os pesquisadores misturaram uma solução contendo íons de prata a cepas selecionadas do fungo Fusarium oxysporum. A seleção das cepas é necessária, segundo a Pesquisa Fapesp, porque nem todas as linhagens possuem a enzima nitrato reductase — que, ao lado do composto chamado quinona, está envolvida na transferência de elétrons para os íons de prata e, conseqüentemente, na formação das nanopartículas. Segundo a revista, a perspectiva dos pesquisadores, agora, é “trabalhar com outros fungos, bactérias, microorganismos e sistemas vegetais que tenham capacidade de transformar íons de prata em nanopartículas de prata metálica”. De acordo com resultados preliminares de pesquisas recentes, é possível empregar o extrato de algumas flores “bem comuns” na região de Campinas. “Isso nos leva a um entendimento de que podemos executar o mesmo tipo de processo de redução do metal sempre que houver a presença da enzima e de substâncias redutoras”, revelou Alves.

O Prêmio Fritz Feigl edição 2005, importante distinção no cenário da química nacional, tem como vencedor Oswaldo Luiz Alves, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A cerimônia de entrega estava marcada para a noite de sexta-feira (17/06). Além do troféu e do certificado, o fundador e coordenador científico do Laboratório de Química do Estado Sólido (Lqes) receberá R$ 30 mil. Este ano, conforme determinava o regulamento, concorreram apenas pesquisadores nas áreas de ensino e pesquisa. Em 2006, as inscrições aceitas serão de profissionais da química que trabalham no setor industrial. Entre as linhas de pesquisa do pesquisador premiado estão as da Química do Estado Sólido e a da Nanotecnologia. Dentro do dia-a-dia do Lqes, que faz parte do Instituto do Milênio de Materiais Complexos, saíram trabalhos que renderam 12 patentes ao grupo. Alves é ainda editor do boletim de divulgação científica Lqes News, produzido de 15 em 15 dias. Promovido todos os anos, o prêmio do Conselho Regional de Química é uma homenagem ao pesquisador Fritz Feigl. Nascido na Áustria, o então químico analítico veio para o Brasil durante a 2ª Guerra Mundial. Aqui, desenvolveu boa parte de suas pesquisas. 

Fonte: 
Cientistas brasileiros criam tecido antibacteriano, Autor: EDUARDO GERAQUE, Fonte:Folha de São Paulo 1/8/2007
 
http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=3881
 
http://www.inovacao.unicamp.br/report/le-nano-prataeouro.shtml
 
acesso em agosto de 2007
 
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