Leishvacin

Em Minas Gerais, mais especificamente no Laboratório de Parasitologia da UFMG, existe uma vacina contra a leishmaniose desde 1970.

A chamada Leishvacin é, hoje, produzida pela Bioquímica do Brasil S/A ­ Biobrás ­ somente para a realização de ensaios clínicos. A produção em escala comercial ainda é um sonho. Segundo o Diretor de Desenvolvimento Tecnológico da Biobrás, Luciano Vilela, falta  liberação do registro pelo Ministério da Saúde. Com o apoio da FAPEMIG, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais ­ UFMG ­, Wilson Mayrink, coordenou um projeto de pesquisa que resultou no aperfeiçoamento e produção industrial da Leishvacin, única vacina contra protozoário existente no mundo. Mesmo com a qualidade reconhecida pela Organização Mundial da Saúde ­ OMS ­ e pelo Ministério da Saúde, a vacina anti leishmaniose que, em 1999, recebeu o Prêmio de Inovação Tecnológica do Sebrae/MG, não é produzida em escala comercial. “Já realizamos todos os testes ­ inocuidade, antigenecidade, imunogenecidade, fase I, fase II, proteção com a pentavalente ­, mas sempre encontram um motivo para continuarem comprando o antimônio da Rhodia”, declara indignado o prof. Mayrink.

 

Em 1991, a Biobrás S/A passou a ser a empresa responsável pela produção da vacina sob as condições G.M.P. (Good Manufaturing Pratices), que comercialmente nunca foi feita. Enquanto isso, a cada ano, 12 milhões de pessoas contraem a leishmaniose no Brasil e no mundo. Países do Extremo Oriente, como o Irã e o Iraque, aproveitam-se da tecnologia desenvolvida e publicada pelo prof. Mayrink e colocam em prática a descoberta brasileira. A diversidade sobre a epidemiologia das diferentes formas de leishmanioses faz com que seu controle seja impossível utilizando estratégias comuns. Na era da biotecnologia, métodos artesanais são utilizados para amenizar a propagação da leishmaniose. Os mais comuns são a dedetização das áreas de risco, o uso de mosquiteiros impregnados de inseticidas e a aplicação de repelentes sobre a pele.

 

Sacrificar cães doentes também faz parte do controle da doença, mas essa é uma tarefa difícil. “Não sabia que o cão tinha um papel tão importante na família”, declara o prof. Mayrink. Quando é comprovada a leishmaniose num “cão de família”, os donos o escondem do agente de saúde para que o cão não seja morto. A única forma de tratamento no homem é por meio de aplicações de antimônio. Em 1912, o pesquisador Gaspar Viana incorporou o tártaro hermético ou antimonial ao tratamento da leishmaniose, que até então era empírico. O medicamento foi sendo aperfeiçoado até chegar ao antimônio pentavalente, comercializado no Brasil, pela Rhodia, com o nome de Glucantime. Apesar do medicamento ser custeado pelo Ministério da Saúde, muitas vezes não há ampolas suficientes nos hospitais e postos de saúde. Segundo o professor, a distribuição do Glucantime não leva em consideração a ocorrência da leishmaniose em cada região.

“O Paraná não tem leishmaniose e recebe a mesma quantidade de antimônio que o estados do Norte e Nordeste, que são grandes focos da doença.” A Leishvacin, além de atuar na prevenção, pode ser incorporada ao tratamento da leishmaniose, juntamente com o Glucantime, encurtando-o em até 20 dias. E ainda não possui contra indicações, podendo ser a única saída para pacientes alérgicos ao antimônio. O tratamento à base de antimônio dura em média 80 dias e é inviável para mulheres grávidas e pessoas com problemas cardíacos. A ideia de se produzir a vacina anti leishmaniose nasceu em 1939, com Salles Gomes, pesquisador do Instituto Bacteriológico de São Paulo, e a primeira experiência em campo foi realizada um ano depois, em Presidente Prudente, pelo parasitologista Samuel Pessoa, da Secretaria de Saúde de São Paulo. Somente 40 anos depois, os estudos dos dois pesquisadores foram retomados pelo prof. Mayrink, que coordenou a realização de cinco ensaios clínicos para avaliar a capacidade da vacina, em diferentes localidades brasileiras.

Até então ninguém se atrevera a enfrentar as dificuldades para um estudo desta natureza. Faltavam recursos para a continuidade do trabalho que exigia grande esforço. Ao todo foram vacinadas cerca de seis mil pessoas, não tendo sido notado nenhum caso de efeito colateral. Após 30 anos de trabalho em campo, a equipe concluiu que a vacina possui o mínimo de 50% de proteção. Em Caratinga, única localidade em que houve rigorosa vigilância epidemiológica, a vacina apresentou 99% de eficiência nos indivíduos em que ela foi aplicada. O cientista Wilson Mayrink sonha com a produção da vacina em escala industrial.

Wilson Mayrink, professor do Departamento de Parasitologia da Universidade Federal de Minas Gerais ­ UFMG ­ organizou em 1963 o Laboratório de Leishmanioses da universidade. Em parceria com o médico baiano Paulo Magalhães, da Sucam, hoje Fundação Nacional da Saúde ­ Funasa ­, iniciou uma série de projetos sobre o diagnóstico, tratamento e controle da leishmaniose visceral humana no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Entre 1965 e 1971, os pesquisadores trataram de 360 casos de calazar em Caratinga. Além do tratamento dos doentes, cerca de 180 mil cães foram examinados. Estavam contaminados e foram sacrificados 7% dos cães. Para evitar a propagação da doença ainda foi feita a dedetização dentro e nas proximidades das casas. E o mais importante: rigorosa vigilância epidemiológica daquela época em diante. O aparecimento de qualquer caso humano ou canino implicava a repetição rigorosa das medidas.

Seis anos depois, a leishmaniose visceral, ou calazar, já estava sob controle naquele município. Segundo o prof., o que aumentava o número de casos era a ignorância dos médicos e o descaso das autoridades. Mas Caratinga é uma região endêmica também para leishmaniose mucocutânea, e os professores resolveram então, dedicar-se ao outro tipo da doença. Em 1988, Paulo Magalhães deixou a Funasa, e o prof. Mayrink, com o apoio daquela instituição, da Prefeitura de Caratinga e do seu eterno braço direito, Jair de Paula, assumiu o serviço. Técnico da Funasa, Jair acompanha há 40 anos o trabalho do prof. Mayrink. Cerca de oito mil casos de leishmaniose foram tratados pelo prof. Mayrink e o Jair, sem nenhum acidente. Juntos, eles ainda cuidam dos pacientes, usando a vacina produzida no laboratório da UFMG e medicamentos cedidos pela Funasa, Biobrás, Secretaria Municipal de Saúde, entre outras. Atendem de 15 a 60 novos casos por mês.

Na última quarta-feira de cada mês, os doentes em tratamento são submetidos a uma revisão. Para o professor, apenas exames sofisticados não curam os doentes. “A medicina de hoje não dá valor à profissão, como a medicina de antigamente.” Sempre da zona rural e sem recursos financeiros, os pacientes viajam mais de 200 km até o ambulatório. Algumas vezes, a equipe do prof. Mayrink precisa pagar as despesas do doente. Apesar dos extraordinários resultados obtidos com a vacina polivalente ­ produzida pelo prof. Mayrink no laboratório da UFMG algumas questões foram levantadas sobre a sua composição e caracterização.

A produção da vacina pentavalente foi descartada e a opção passou a ser a produção da vacina monovalente. Técnicos da OMS visitaram as instalações da Biobrás, que passou a ser responsável pela produção da Leishvacin. Além de alterar a composição da vacina, foi exigido que os ensaios clínicos fossem repetidos ­ agora com as vacinas produzidas pela Biobrás ­ em conjunto com outras instituições, como a Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro. “A vacina polivalente não existe mais sob o ponto de vista comercial. Ela é mais difícil de fazer e de controlar”, acrescenta o diretor da Biobrás, Luciano Vilela. Vilela explica que a vacina monovalente tem duas possibilidades de uso: preventiva ou terapêutica (cura). Os testes da vacina terapêutica já foram concluídos e apresentaram excelentes resultados.

Quanto à vacina preventiva, o registro somente poderá ser solicitado quando todos os testes forem concluídos. A OMS está patrocinando os ensaios que estão sendo realizados no Equador. A segunda fase será iniciada no primeiro semestre deste ano, na Colômbia, e a terceira, sem data definida, provavelmente será realizada no Brasil. Cada fase dos estudos dura, em média, três anos. Portanto, a Biobrás deverá solicitar o registro da vacina preventiva daqui a nove anos, no mínimo, isto é, se os resultados forem satisfatórios. Somando a tramitação do registro no Ministério da Saúde, estima-se que a produção em escala comercial da Leishvacin (preventiva) se iniciará na segunda década do ano 2000. “Em outubro do ano passado, ouvi diretamente do ministro José Serra que os nossos resultados seriam analisados, pois ele admitia ser a medicina preventiva a solução para grande número das endemias, resposta que aguardamos até hoje.” Mesmo aborrecido com a falta de sensibilidade das autoridades, o prof. Mayrink ainda espera que os seus quarenta anos de dedicação aos estudos da leishmaniose sejam agraciados com a disponibilização da Leishvacin no mercado nacional e internacional.

No Laboratório de Leishmaniose, o professor Wilson Mayrink provou o quanto valem esforços de anos. Há 31 anos, ele insiste em pesquisas que já resultaram na vacina terapêutica contra a leishmaniose e cujos trabalhos continuam para a formulação da vacina preventiva. O registro da vacina terapêutica foi liberado pelo Ministério da Saúde, o que possibilita a sua produção comercial, a cargo da Biomm, uma empresa nascida da recente divisão da mineira Biobrás, com sede em Montes Claros. Segundo Luciano Vilela, um dos diretores da Biomm, a empresa está se estruturando para a fabricação da vacina. “Temos o know-how, e a titularidade está sendo transferida da Biobrás para a Biomm”, diz ele. O professor Mayrink dedicou sua vida à descoberta da vacina contra a leishmaniose, o que continua fazendo mesmo depois de aposentado. “Aqui no laboratório, eles cedem um espaço para eu ficar chateando eles”, brinca. Depois de anos seguidos de testes, a vacina terapêutica não apresentou efeitos colaterais nem contraindicações. Agora é a vez de a vacina preventiva passar pelo mesmo processo, o que vem sendo feito com pessoas em Minas Gerais e na Colômbia. Segundo o professor, essa fase está perto do final. “Em um ou dois anos, a vacina poderá ser submetida também ao Ministério da Saúde para permissão de produção”, afirma.

Fonte: http://revista.fapemig.br/2/leishmaniose/

acesso em janeiro de 2003

http://www.ufmg.br/diversa/1/biologicas.htm

acesso em outubro de 2005

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