Interface de Comunicação Cérebro-Computador

O computador já pode ser operado pela mente humana. Cientistas da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) elaboraram um software que decodifica os sinais cerebrais responsáveis pelos movimentos de esquerda e direita realizados pela mão do homem e, com isso, conseguiram desenvolver a primeira interface de comunicação cérebro/computador da América Latina. 
A cada movimento do corpo humano corresponde um sinal específico no cérebro. Os cientistas da USP usaram equipamentos de eletroencefalograma para digitalizar os sinais cerebrais ligados aos movimentos de esquerda e direita produzidos pela mão do homem e criaram um banco de dados para catalogá-los no computador. O processamento digital é feito por meio de um modelo de cálculo matemático denominado rede neural artificial, capaz de separar os comandos de direita e esquerda a partir da memória do banco de dados. Além disso, o sistema pode decodificar novos sinais com uma margem mínima de erro. “Em testes com voluntários, a média de acerto foi de 90%”, relata o físico Ernane José Xavier, coordenador da pesquisa. “O computador aprende com os exemplos do banco, mas depois pode identificar os sinais sozinho.” 


Para coletar os 900 sinais que formaram a base de dados, Ernane contou com a colaboração de 40 voluntários. Cada um deles passou por dois meses de sessões experimentais. Uma vez constituído o banco, os voluntários se submeteram a um treinamento para se familiarizarem com o sistema e aprenderem como operá-lo. 
A conexão entre a pessoa e o computador é feita por meio de eletrodos em contato com regiões específicas do cérebro. No monitor, é visto um círculo branco sobre um fundo escuro. O usuário deverá, então, imaginar que está movendo o círculo para a esquerda ou para a direita, como se utilizasse um mouse. O resultado pode ser observado na tela: o círculo caminha de acordo com o comando mental da pessoa. “Conseguimos provar que o cérebro e o computador podem se entender”, afirma Ernane.

Segundo o pesquisador, nos Estados Unidos e na Europa, outros dois grupos de cientistas desenvolvem o mesmo tipo de interface, mas nenhum dos projetos está em estágio avançado. Apesar disso, o físico brasileiro é otimista: “Os próximos três anos podem trazer muitas surpresas na área de neurocomputação. Estamos evoluindo depressa.” 
Na tela de um computador, um círculo branco com cerca de 15 centímetros de diâmetro irá obedecer as ordens do usuário, que serão emitidas na forma de pensamentos: esquerda ou direita. Em estudos semelhantes realizados numa universidade da Áustria, a porcentagem de acerto chegou a 89%. “Aparentemente, o círculo obedece os comandos do usuário de acordo com sua capacidade de concentração”, diz o físico e mestre em Biofísica, Ernane José Xavier Costa, doutorando do LCS da Poli. A comunicação homem/máquina é feita por meio de eletrodos colocados na cabeça do usuário. “Obedecemos a um sistema internacional de disposição de eletrodos que é o mesmo usado para o EEG (Eletroencefalograma)”, explica Xavier. 
“O que nós fizemos foi um software de computador que tem uma bolinha no centro dele. A pessoa se concentra em movimentar essa bolinha na tela do computador. Os eletrodos já estão colocados na cabeça da pessoa na posição c3 e c4. É como se a pessoa estivesse fazendo um exame de eletroencefalografia. É simples. Os eletrodos são colocados na parte alta do couro cabeludo (c3 e c4). Eles são colocados nessa região porque na literatura científica mostra que há uma relação dessa parte do cérebro com os movimentos motores. Nós fizemos um estudo detalhado, onde foram utilizados 32 canais sobre todo o couro cabeludo e constatamos que na posição (c3 e c4) é onde há maior separabilidade. São três eletrodos colocados na cabeça: um de cada lado (na parte alta c3 e c4) e um terceiro de referência, que fica na orelha e que funciona como se fosse um aterramento. Esse da orelha é necessário porque é uma amplificação diferencial então é necessário ter um eletrodo de referência.” 

“O que é novo no meu trabalho é mostrar que essas técnicas de processamento digitais provam que há uma separabilidade nos sinais cerebrais quando a pessoa imagina um movimento ou para a esquerda ou para a direita. Na revista Nature do ano passado há uma reportagem que conta que indivíduos tetraplégicos poderiam escrever usando sinais cerebrais. Qual é a diferença entre o paradigma que eles utilizam e o meu? É que lá eles treinavam as pessoas para mudarem seus padrões neurocerebrais. E no meu eu treino o computador, treino uma rede neural para aprender essas variações”. A Revista Medical Engineering & Physics de junho de 2000, volume 22, número 5, comenta o estudo do professor na página 345. Eles chamam de “discriminação entre a imaginação dos movimentos da mão esquerda e direita usando uma representação gaussiana adaptativa.” 
O Nebrasp (Processamento de Sinais Cerebrais usando Redes Neurais) é dividido em três estágios. No primeiro, acontece a coleta de dados do usuário que será cadastrado no sistema. Forma-se então a base de dados, com os sinais cerebrais (esquerda e direita). “Nesta fase, o software realiza a coleta e armazenagem dos dados”, descreve Xavier. Em seguida, acontece a análise da correlação entre os dois dados (esquerda e direita) para verificar se são semelhantes ou separáveis. “Este processo utiliza técnicas avançadas de pré-processamento de sinais, com redes neurais artificiais, o que resulta na análise estatística de erros e acertos. A porcentagem de erros e acertos permitiu escolher a técnica que seria utilizada. 
“Até o momento, vem sendo aplicado o Modelo Autoregressivo de Média Móvel (ARMA) ” implementado por meio de uma rede neural artificial polinomial e pela Densidade Espectral de Potência (DSP) ” que atingiu a 80% de resultados positivos utilizando a rede neural do tipo LVQ (Learn Vector Quantisation), que encontra similaridades nos sinais, e a MLP (Multilayer Perceptrons), que classifica os sinais”, descreve o pesquisador. A rede neural extrai parâmetros e é treinada com os sinais cerebrais (esquerda e direita). “Atualmente, estamos estudando a separabilidade. Posteriormente, o usuário cadastrado tentará mover o círculo. Com as mãos colocadas sobre uma mesa, o usuário imagina que está pegando o círculo e movendo-o, para a esquerda ou para a direita. Estes sinais são usados, posteriormente, para analisar se são ou não separáveis”, explica Xavier. 
O equipamento foi todo desenvolvido no LCS da Poli. No início das pesquisas houve colaboração da Escola Paulista de Medicina, que analisou alguns sinais cerebrais. Em breve, o sistema deverá ser reforçado com a aquisição de um capacete especial para a captação de sinais cerebrais com 32 canais o que, segundo Xavier, favorecerá no desenvolvimento das pesquisas. “Estamos abrindo um campo de pesquisas inédito no Brasil e, até agora, conseguimos provar que os sinais cerebrais podem comandar um sistema”, avalia. 
Ernane José é Bacharel em Física pela Universidade Federal de Viçosa (1992), Mestre em Física pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo (1995) e Doutor em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (2000). Em 2006 Obteve o título de Livre Docência pela Universidade de São Paulo onde atua como professor coordenando o Laboratório de Física Aplicada e Computacional (LAFAC) na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos. Tem experiência na área de Bioengenharia e instrumentação eletrônica, com ênfase em Processamento de Sinais Biológicos, atuando principalmente nos seguintes temas: Processamento Digital de Sinais, Redes Neurais Artificiais e Instrumentação Eletrônica aplicada à experimentação e monitoração de sistemas biológicos.


Fonte: http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n317.htm 
http://www.usp.br/agen/bols/1998_2001/rede342.htm 
http://www.terra.com.br/jornaldalilian/boletins/2001/02/03/002.htm 
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2001/02/19/ger659.html 
http://www.terra.com.br/istoe/1638/1638seculo21.htm 
acesso em fevereiro de 2002
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4728021U2 
acesso em março de 2009 

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