Da prancheta para o mercado

Não é simples transformar boas ideias em produtos de sucesso. Ainda assim, o que não faltam no Brasil são empreendedores dispostos a tornar suas invenções em realidade

Brasileiros são reconhecidos por sua alma empreendedora. Alberto Santos Dumont talvez seja o inventor mais reconhecido globalmente, mas não pense que ele está sozinho. Várias invenções que fazem sucesso mundial, como o identificador de chamadas telefônicas, o escorredor de arroz e o esterilizador de ar, nasceram em terras tupiniquins. No entanto, há um número ainda maior de pessoas que desenvolve produtos incríveis e não consegue torná-los conhecidos do grande público. Mas, como no Brasil não se desiste nunca, boas ideias surgem diariamente. Há realmente de tudo, de cortadores de sachês de mostarda e ketchup a dispensers para a cozinha.

Segundo a Gerente da Associação Nacional de Inventores (ANI), Daniela Mazzei, pelo menos 100 inventores por mês cadastram novas idéias na entidade. “Hoje temos mais de 3 mil associados, entre inventores, empresários e investidores. É possível dizer que cerca de 10% das invenções vão para o mercado”, conta. Produtos como pistola para matar mosquito, cortador de unhas com lupa ou pente para os carecas são alguns exemplos. “Parece brincadeira, mas esses objetos já foram parar no comércio”, completa Daniela.

A gerente relata que as idéias geralmente nascem por necessidade. “O primeiro objetivo nem sempre é ganhar dinheiro”, destaca. Daniela explica que o primeiro passo para o empreendedor cadastrar sua invenção na entidade é descobrir se ela já existe. “Depois é preciso criar o protótipo, para, a seguir, patenteá-lo”, explica a gerente.

Segundo o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (IN- PI), o processo de concessão da patente avalia quatro pré-requisitos básicos: suficiência descritiva, ineditismo, atividade inventiva (confere se o produto não é decorrência óbvia de outro) e aplicação industrial. A concessão é válida por, no máximo, 20 anos.

Segundo o diretor da consultoria especializada no desenvolvimento de marcas, produtos e serviços Grupo Azo, Marco Quintarelli, para registrar uma patente é necessário redigir um pedido com muito cuidado, explicando o que quer proteger. Após o pedido ser feito no INPI, o produto passa por um exame. “Para fazer o pedido da patente, é necessário pagar uma taxa de R$ 80”, diz Quintarelli, acrescentando que existem inventores que têm o pedido devolvido dezenas de vezes.

Ele ainda lembra que esta é só a primeira etapa. Quem já passou por esse processo garante que muitas outras taxas e dores de cabeça surgem ao longo do caminho. O registro exige uma série de documentos e desenhos complicados, além de muita disciplina para não perder os prazos.

Perseverança

Quem consegue vencer o desafio, colhe os louros, como o marceneiro Wagner Gomes de Araújo, que criou um dispenser para produtos de limpeza para a cozinha no ano passado. Segundo Araújo, a ideia surgiu a partir da dificuldade que vivia em sua própria casa para guardar com segurança produtos nocivos para crianças, como água sanitária e sabão em pó.

“O protótipo inicial era de madeira com lugares para cada produto. Como todo mun- do que conhecia aprovou a ideia, dos meus familiares aos companheiros de trabalho, resolvi levá-la para ANI”, conta.

Araújo apresentou o produto para os diretores da associação, que a aprovaram. A seguir, e preencheu protocolos para patentear seu produto e deu o nome de DPPL – Dispenser para Produtos de Limpeza. A ANI conseguiu dois investidores para o DPPL, que ainda estão em negociaçãocomoinventor.“Por enquanto aguardo a resposta, mas estou otimista”, afirma.

Outro inventor com uma história curiosa é o publicitário Bruno Marossi Cortez, que desenvolveu, em outubro do ano passado, um dispositivo para limpeza e massagem das costas. Tudo começou a partir de uma mania pessoal de limpar as costas durante o banho. “Sobrava sempre para minha namorada”, brinca. Após o final da relação, Cortez ficou imaginando como poderia retomar o hábito, dessa vez sem ajuda.

“Procurei se havia algum aparelho que não fosse aquelas tradicionais escovas, que mais machucam do que limpam. Não encontrei”, diz. Incomodado, Cortez teve um sonho de como seria o dispositivo. “Assim que acordei o desenhei”, conta.

Ao levar o desenho para a ANI, o inventor teve a confirmação de que sua ideia era realmente boa. “Paguei cerca de R$ 5 mil para a patente nacional e outros R$ 35 mil na internacional”, diz, explicando que investiu na segunda por acreditar no potencial do mercado asiático para o seu produto. “Na verdade, o que me estimulou à levar a ideia adiante foi o medo de ver alguém desenvolvendo algo similar”, diz.

Embora o produto ainda não esteja no mercado, Cortez confia que ele chegue até o fim do ano pelas mãos de algum fabricante. “Torço para que as vendas se iniciem em 2014. O preço deve variar entre R$ 300 e R$ 400”, diz. “Meu conselho é que todos que tenham alguma ideia nunca desistam. Ela terá utilidade para alguém”, conclui.

Quem nunca encontrou dificuldade em abrir aqueles sa- chês de mostarda e ketchup dis- tribuídos em lanchonetes? Leopoldo Aquino Almeida sempre teve e, ainda em 2007, decidiu acabar de vez com isso. Fez uma pesquisa em vários restaurantes no Rio de Janeiro até chegar às informações necessárias para desenvolver um produto que fosse capaz de abrilos com facilidade. Em 2009, Almeida buscou um sócio para fazer um protótipo, foi quando também criou sua empresa, a Khort.

Segundo Almeida, a Khort investiu R$ 30 mil no desenvolvimento do produto, obtendo o retorno total do investimento em meados de 2010. “Tinha confiança de que era uma ideia que seria compartilhada com milhões de brasileiros”, disse.

Em 2010, a Khort recebeu o prêmio Best Invention of the Americas (Invents and New Products Exposition), realizada pela organização norte-americana InventHelp, sendo o único produto brasileiro presente e pre- miado. “O número de pedidos dos EUA aumentou considera- velmente e resolvemos abrir um escritório por lá”, diz Almeida, acrescentando que a Khort registrou uma receita 15% superior em 2011, frente o resultado de 2010. “Hoje, vendemos até 50 mil unidades por mês no Brasil, além de outras 5 mil nos EUA.”

 

Fonte:
Jornal do Comércio

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